Hospitais nada mais são do que grandes empresas bastante heterogêneas. No entanto, falta esta percepção, principalmente dos profissionais de saúde, sobre como a gestão profissional pode transformar, e melhorar, a qualidade da saúde ofertada no brasil.
A administradora Maria de Fatima Ribeiro dos Santos trabalha com gestão de saúde desde que saiu da faculdade. São mais de 30 anos gerenciando hospitais, Públicos, Privados e Filantrópicos e uma percepção: a maior parte dos problemas do sistema de saúde brasileiro é decorrente da falta de gestão, muito mais do que da falta de recursos.
“A saúde hoje é tida como um produto. É preciso conhecer de tudo um pouco: desde a parte financeira, até a previsão de custos para formar preços ou conter despesas, sem perder a qualidade. O conhecimento precisa ser variado para poder fazer tudo que a área demanda”, afirma.
Para ela, um dos desafios enfrentados pelos profissionais neste setor é que, dentro das estruturas dos hospitais, muitas vezes a figura do Administrador não é aceita. “Existe uma espécie de entendimento pré-estabelecido de que o hospital é do médico e de outros profissionais técnicos da assistência ao cliente/ paciente. No entanto, como cada vez mais o setor se estrutura como um negócio, a gestão dele precisa ser profissionalizada, integrada e funcionar como um colegiado, para atender todas as demandas e necessidades que se apresentam”, afirma Maria de Fátima.
A Organização Mundial da Saúde estima que entre 20 e 40% dos recursos investidos em saúde no Brasil sejam perdidos por falta de gestão ou planejamento. De acordo com a administradora, esta é hoje a maior fragilidade do sistema, que sofre com a falta de planejamento. Segundo Maria de Fátima, hospitais são empresas heterogêneas que demandam conhecimento variado e estratégia para bem aplicar os recursos, integrando as necessidades de diferentes áreas e públicos. “Não adianta, por exemplo, investir num equipamento sem fazer as previsões para tudo que a máquina necessita. Para tudo funcionar bem é preciso planejar”, afirma.
O professor Alessandro Paiva, doutor em Ciência Política e coordenador do curso de Administração Mackenzie Rio, explica que, até bem pouco tempo atrás, o mais comum era encontrar profissionais de saúde à frente de instituições de saúde, hospitais e clínicas. “Médico não tem preparo de gestão para tocar o negócio, nem que seja uma clínica. Um consultório médico é uma organização: tem RH, é preciso saber recrutar pessoas. Tem a parte financeira, de marketing e tem a parte dos processos. Ou seja, as quatro grandes áreas da Administração estão dentro de um simples consultório”, exemplifica Paiva.
Até recentemente, eram os médicos que tocavam estes negó- cios. Com a profissionalização da gestão hospitalar, o médico está saindo da gestão e focando na operação. “É importante que tudo o que não for técnico e procedimento médico fique na mão de especialistas. Tudo que não for técnico e procedimento médico é importante que fique na mão de profissionais. O profissional pode ser um excelente médico, mas nem tanto um bom administrador. Um gestor vai saber comprar equipamentos mais em conta e, insumos mais adequados com os recursos pagos pelo plano de saúde”, afirma o professor Alessandro. Ter um gestor dentro de hospitais significa otimizar recursos. E o olhar desse profissional vai permitir que as organizações de saúde se tornem- se cada vez mais competitivas.
Waldomiro Monforte Pazin, presidente da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares (FBAH), enxerga o setor da gestão em saúde como um dos mais promissores no país. “O setor de saúde movimenta em torno de 8% do PIB. Temos 7,5 mil unidades hospitalares. A saúde é um negócio e precisamos deixar abandonar esse mal-estar que ainda existe quando fazemos esse tipo de afirmação. A saúde é um negócio e ela está circundada por uma cadeia produtiva muito grande”, afirma. Pazin diz ainda que, além dose hospitais, as clínicas, laboratórios, UPAs e vários outros tipos de instituições carecem de pessoas qualificadas. “O mercado já dispõe de ferramentas muito eficientes para qualificar a gestão de hospitais e clínicas. Achar um profissional capacitado e qualificado para esse setor não é tarefa fácil”, aponta.
Para explicar como se dá a gestão de um hospital nos dias de hoje, a administradora e especialista no setor Maria de Fátima Ribeiro dos Santos afirma que administrar um hospital é como administrar um hotel. “O que difere um hospital de um hotel é o tipo de público. Enquanto o hotel recebe pessoas saudáveis, um hospital recebe pessoas com problemas de saúde. Mas para isso conta com a mesma estrutura: recepção, serviço de limpeza, lavanderia, refeitório, segurança. É tudo igual”, explica. “O que falta é fazer com que a profissão seja mais valorizada no âmbito hospitalar, como é no setor hoteleiro, por exemplo”, completa.
A briga pelo reconhecimento parece um pouco longe de terminar. O Conselho Federal de Administração (CFA) já solicitou que o Conselho Federal de Medicina (CFM) revogue a Resolução CFM nº 2.149/2016, que definiu a “Administração em Saúde” como área de atuação e especialidade médica.
“Essa medida é um desserviço à população, pois desvirtua o médico para algo que é privativo de outra profissão. E é exatamente em razão da ausência do profissional de Administração na gestão das organizações que prestam serviços de saúde, que a sociedade tem sofrido profundamente com serviços de saúde de péssima qualidade”, critica o presidente do CFA, Adm. Wagner Siqueira.
Mesmo questionado, o CRM disse não haver motivos para mudar a resolução publicada porque, no entendimento do órgão, apesar da direção administrativa de serviços de saúde não constituir atividade privativa de médico, os médicos não estão proibidos por lei a praticá-la.
Para reverter esta posição, o CFA ingressou com uma ação unto à 20ª Vara Federal visando garantir os direitos do Profissional Administrador neste caso. Enquanto o embate não se resolve quem padece é o povo que sofre diariamente com os problemas decorrentes da falta de gestão nas empresas de saúde.
O Ministério da Saúde informa que mais de 70% da população brasileira usa o Sistema Único de Saúde (SUS). Cerca de 150 milhões de pessoas dependem exclusivamente do sistema. Em 2016, o gasto com o financiamento público em saúde pelos três entes da Federação alcançou a cifra de R$ 246 bilhões,: sendo: R$ 106,2 bilhões (43%) da União; R$ 63,3 bilhões (26%) dos Estados; e R$ 76,6 bilhões (31%) dos Municípios.
Em 2016, o gasto público representou 3,9% do PIB brasileiro. O Setor Saúde, em sua totalidade, chega a representar 8% do PIB nacional. Em 2013, os gastos públicos responderam por 45% do financiamento da saúde. O setor privado, por 55%. Os dados são do IBGE, de 2010 a 2013, e do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), 2014 e 2015.
A GESTÃO É O CAMINHO
Os desperdícios são o maior problema registrado na área da saúde no brasil e, de acordo com os especialistas, a gestão é o único caminho para reverter esse quadro.
Entre os maiores problemas na área da saúde no Brasil, os desperdícios lideram. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirma que cerca de 30% dos gastos da saúde complementar no Brasil são desperdiçados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) endossa os dados e afirma que, no Brasil, as perdas na área variam entre 20% e 40%. Somente no setor privado, a OMS estima perdas de 20%, o que representa R$ 27 bilhões. E o desperdício está em toda parte: exames solicitados desnecessariamente, remédios prescritos de forma errada, entre outros. A OMS acusa que 50% dos medicamentos prescritos no Brasil são receitados aos pacientes de forma incorreta.
O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) fez um estudo neste ano para levantar as perdas causadas por desperdícios e fraudes na saúde. O estudo “Evidências Sâmar Razzak de Práticas Fraudulentas em Sistemas de Saúde Internacionais e no Brasil” apontou que cerca de R$ 22,5 bilhões dos gastos de operadoras de planos de saúde no país com contas hospitalares e exames, em 2015, foram gerados indevidamente, decorrendo de fraudes e desperdícios com procedimentos desnecessários. As informações são da Agência Brasil. O número representa 19% do total de despesas assistenciais feitas no período, que somaram R$ 117,24 bilhões. O mesmo estudo apontou, ainda, que de 12% a 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos e entre 25% e 40% dos exames laboratoriais solicitados não são necessários.
De acordo com Cláudia Affonso Silvano Araú- jo, pesquisadora em saúde e chefe da área de Operações, Tecnologia e Logística da Escola de Negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o desperdício no sistema de saúde acaba prejudicando a população, fazendo com que milhares de pessoas não tenham acesso a serviços. “A única forma de reverter esse quadro é investir em gestão. E não falamos apenas de desperdícios materiais e de medicamentos. Além de tudo isso, há o desperdício de tempo. Tempo perdido nos procedimentos. Todas as esferas do sistema padecem desse mal”, avalia.
Para ela, a organização do sistema deveria ser repensada para reduzir idas e vindas de pacientes e esperas; os centros cirúrgicos precisariam ser melhor geridos para diminuir a ociosidade. Isso sem falar nos leitos, que, por serem tão escassos, necessitam de atenção e gestão mais eficaz para atender ao maior número possível de pessoas.
A pesquisadora explica que, aos poucos, tem sido adotada na área da saúde a filosofia enxuta (Lean Healthcare), que prega a redução de desperdícios em diversas frentes: tempo de espera, procedimentos, transporte e burocracia. Ao eliminar esses desperdícios, a qualidade do serviço ofertado aumenta e os custos diminuem. Surgida na Toyota em meados da década de 1980, a filosofia passou a ser aplicada em outros tipos de organizações e – mesmo que de forma tímida – tem chegado à área da saúde.
De acordo com a filosofia enxuta, são identificados os pontos que precisam ser melhorados no sistema de gestão e todo o processo é repensado de forma mais abrangente. “Ainda é difícil apontar um modelo único de organização de saúde no Brasil. Temos visto iniciativas isoladas, procedimentos que vêm sendo adotados. É o início de um processo e o importante é que os gestores estão atentos a essas mudanças”, afirma Cláudia Araújo.
CRISE
A Agência Nacional de Saúde divulgou, em julho deste ano, um estudo que mostrou uma queda no número de usuários de planos de saúde no Brasil. Cerca de 1,4 milhão de brasileiros deixaram de pagar saúde suplementar no país em 2016, em comparação com o ano anterior. Isso significa dizer que quase 1,5 milhão de brasileiros voltou a ser 100% dependente do SUS.
Alessandro Paiva, coordenador do curso de Administração da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio e pesquisador na área de saúde pública, afirma que a sobrecarga que a crise econômica colocou sobre o SUS exige, mais do que nunca, ferramentas de gestão mais eficientes.
“Faltam recursos humanos, recursos materiais e insumos. No sistema privado é feito um modelo de gestão para não haver falta de insumos e de capital humano. No sistema público, como não há orçamento, as demandas vão sendo adiadas”, explica Paiva. Segundo o professor, a falta de gestão causa aberrações como, por exemplo, manter pacientes internados por meses, consumindo insumos, ocupando leitos e correndo risco de infecção por falta de equipamentos ou materiais que permitam a realização de cirurgias. “E por que isso acontece? Porque a gestão é ineficiente. Manter um paciente quatro meses no hospital pode custar mais caro do que comprar qualquer equipamento”, afirma Paiva.
De acordo com o professor, o modelo do Sistema Único de Saúde brasileiro é oriundo do sistema francês. “O modelo SUS, na teoria, é maravilhoso: engloba política nacional de atenção a urgências, clínica da família, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e central de regulação. Mas, na prática, não funciona, principalmente por questões políticas e por falta de gestão”, avalia.
PROFISSIONALIZAÇÃO É FUNDAMENTAL
Complexidade de hospitais e instituições de saúde exigem qualificação e conhecimento técnico apurados dos gestores
A fisioterapeuta Ailza de Medeiros dos Santos trabalha há mais de 30 anos no segmento de saúde em Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Para gerir seu negócio, logo ela percebeu a necessidade de se aprimorar: buscou formações diversas como especializações e MBAs. Mas quando precisou instalar na clínica um sistema de gestão de qualidade percebeu que suas necessidades eram maiores. “Percebi que sem um administrador com habilidades diferenciadas para assumir os requisitos exigidos pelas normas técnicas aplicadas em minha empresa, isso ficaria totalmente inviável para se manter os controles necessários do dia a dia das atividades”, conta.
Apesar de deter o conhecimento – adquirido com as especializações – a gestão tomava muito tempo e Ailza conta que sempre enxergou com bastante clareza que aquele não era um papel que deveria assumir. Em 2015 o administrador Diogo Rodrigues Pereira assumiu a gestão da Fisiotrat Clínica de Fisioterapia e Reabilitação Motora, maior Centro de Reabilitação da Região Norte no Brasil e conseguiu colocar em prática um sonho antigo de Ailza: a empresa conseguiu aplicar os processos do Sistema de Gestão da Qualidade ISO 9001. “Ter conseguido implantar a ISO numa empresa do segmento de saúde e estar em processo de contínuo de inovação e melhorias é realmente um sucesso no nosso ponto de vista”, afirma.
Hoje, a Fisiotrat emprega 47 profissionais e atende, em média, 620 pessoas por dia. “Nos grandes centros é mais comum vermos administradores gerindo empresas de saúde, mas na minha região eu não conheço nenhuma empresa desse segmento que seja gerida 100% por um administrador”, conta.
Esta é a primeira experiência de Pereira em administração na área da saúde, mas ele se diz satisfeito. “Não vou dizer que conclui o trabalho, pois ainda falta muita coisa a ser mudada. Mas a nova cultura organizacional que implantamos está sendo adotada e praticada, apesar de todas as resistências. Uma empresa, seja qual for o segmento, não vive sem processos de melhoria contínua. E é isso que procuramos implementar, para promover a saúde e a qualidade de vida aos clientes internos e externos”, afirma.
ESPECIALIDADE
Waldomiro José Pedroso Federighi, do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP), afirma que a característica multifacetada da área da saúde exige do administrador conhecimentos mais abrangentes sobre assuntos cada vez mais específicos, sem perder a visão holística da instituição. “Por isso, a complementação da formação é essencial”, avalia.
A qualificação é primordial para que o profissional conheça com profundidade as particularidades do setor, o que vai permitir o planejamento das ações de forma mais efetiva e qualificada. “A coexistência com profissionais de formações e interesses diversos exige esforço constante do gestor para que essas diferenças profissionais, decorrentes das suas atividades altamente específicas, porém interdependentes, não interfiram na integração das soluções e não prejudiquem o objetivo final de atender bem às necessidades dos pacientes”, explica Federighi.
A responsabilidade do gestor da área fica ainda mais ressaltada quando se leva em conta que eventuais erros na tomada de decisão podem resultar em perda de vidas. “O profissional que atua nesse setor convive com decisões urgentes, pela natureza emergencial da atividade. Há pouca ou quase nenhuma margem para dúvidas ou erros. Por isso, a qualificação é tão necessária”, afirma.
Dados de 2017 da Confederação Nacional de Saúde (CNS) indicam que existem no Brasil 6.778 hospitais. Paralelamente a isso, milhares de clínicas, institutos e centros de diagnósticos movimentam o mercado que procura cada vez mais profissionais qualificados. De acordo com Federighi, trata-se de um ramo em ascensão. “Apesar dos diversos desafios a serem vencidos, é um mercado que não para de crescer. Tanto é que investidores financeiros estão sendo atraídos e já estão entrando no mercado nacional”, afirma.
De acordo com Federighi, a administração hospitalar é uma carreira recente e carece de mais incentivos. “Até bem pouco tempo atrás era um ramo ‘fechado’, entró- pico, cujo sistema de recursos humanos não admitia renovações. Aproveitava apenas pessoas que aprendiam na prática seus ofícios, muitas vezes sem formação acadêmica desejável, tendo começado nos patamares hierárquicos mais baixos”, conta. “Mas isso vem mudando.
O ramo hospitalar tem se profissionalizado e vem sendo gerido como empresa, seguindo as melhores técnicas empresariais, usando o planejamento, a racionalização do trabalho, a avaliação de resultados, a criação de carreiras profissionais e a valorização do gestor hospitalar. Muitos dos melhores hospitais brasileiros podem ser comparados aos melhores hospitais do mundo”, completa.
Claudia Affonso Silvano Araújo, pesquisadora em saúde e chefe da área de Operações, Tecnologia e Logística da Escola de Negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda e afirma que os hospitais brasileiros estão começando agora um processo de profissionalização mais efetivo.
“Os profissionais de saúde ainda enxergam a medicina e o ato de cura como sacerdócios e o hospital, sob esta essa ótica, é visto como a oficina do artesão – no caso, o médico -– para onde ele vai exercitar saber. Nesse contexto, de olhar a prática médica como algo superior e o hospital como um laboratório, a produtividade não tem muito espaço, fica para segundo plano. Mas aos poucos esse perfil está mudando. É preciso ter qualidade operacional e qualidade administrativa”, avalia.
Para Cláudia, a única forma de aumentar a eficiência de hospitais e serviços de saúde é através da gestão. Para isso, é preciso deixar de lado o mal- estar que ainda acompanha a ideia de enxergar hospitais e clínicas como um negócio. “É preciso deixar claro que quando falamos na saúde como um negócio, estamos falando em organizações bem administradas, que possam promover serviços de qualidade, atendendo cada vez mais gente e com mais qualidade”, afirma.
Para isso, aos poucos, o perfil dos gestores está mudando e os médicos -– que antes chefiavam administrativamente hospitais – estão deixando essa tarefa para executivos. “O processo ainda é lento. Mas já há um entendimento de que ser um bom médico não é sinônimo de ser um bom líder. O próximo passo agora é qualificar os executivos que trabalham em organizações de saúde porque, para estabelecer regras nesses meios, é preciso ter legitimidade”, explica Cláudia.
SAÚDE É UMA QUESTÃO DE GERÊNCIA
Para isso, aos poucos, o perfil dos gestores está mudando e os médicos -– que antes chefiavam administrativamente hospitais – estão deixando essa tarefa para executivos. “O processo ainda é lento. Mas já há um entendimento de que ser um bom médico não é sinônimo de ser um bom líder. O próximo passo agora é qualificar os executivos que trabalham em organizações de saúde porque, para estabelecer regras nesses meios, é preciso ter legitimidade”, explica Cláudia.
Quando se trata de saúde no Brasil, os problemas estruturais são decorrentes da má gestão e falta de planejamento. Este discurso vem sendo defendido há tempos por Wagner Siqueira, que assumiu a presidência do Conselho Federal de Administração em janeiro deste ano e falou com a RBA sobre o papel essencial dos administradores na gestão hospitalar no Brasil.
RBA – O QUE MAIS SE VÊ, QUANDO FALAMOS NAS DEFICIÊNCIAS DO DESEMPENHO DO SISTEMA HOSPITALAR, É A TENTATIVA DE ACHAR CULPADOS. HÁ QUEM ATRIBUA O PROBLEMA AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE; OUTROS CHEGAM A CULPAR O USUÁRIO, QUE RECORRE AOS HOSPITAIS MESMO QUANDO NÃO PRECISAM, SOBRECARREGANDO O SISTEMA. É SIMPLES ASSIM ACHAR CULPADOS? Wagner Siqueira- A causa mais profunda do problema não está no usuário do serviço nem no profissional de saúde. Em última análise, tanto um como outro estão ligados por um mesmo vínculo: ambos acham-se de certa forma dependentes das decisões e orientações emitidas pelos dirigentes da instituição de saúde. Na medida em que o desempenho do dirigente hospitalar, por exemplo, for ineficaz, o desempenho dos servidores será correspondentemente afetado e, por consequência, os interesses do público-usuário também.
RBA- ENTÃO TRATA-SE MAIS DE UM PROBLEMA DE GESTÃO, É ISSO? Wagner Siqueira – Sim, equacionar este problema precisa começar da gerência. Mas, antes, é preciso se perguntar: sobre quais características da gerência hospitalar é preciso intervir? Um dos primeiros caminhos a serem tomados e esclarecidos é enxergar a eficiência e a eficácia como interdependentes. E são os gerentes, em seus níveis respectivos, que reúnem as melhores condições para assegurar e tornar frutífera essa interdependência. Para isso, contudo, eles precisam de competências gerenciais específicas, que podem e devem ser desenvolvidas.
RBA – ISSO DEMONSTRA ENTÃO QUE A GESTÃO HOSPITALAR PRECISA SER TOCADA POR PROFISSIONAIS, ADMINISTRADORES, QUE DOMINEM TODAS AS FERRAMENTAS NECESSÁRIAS PARA GARANTIR ESTA EFICÁCIA E EFICIÊNCIA? Wagner Siqueira – Exatamente. Mas o que vemos é que, no serviço público principalmente, nem sempre os dirigentes em administração ou gerência possuem formação específica em administração ou gerência. O próprio sistema de seleção é um dos pontos mais falhos na constituição de um quadro gerencial qualificado para a administração. O engenheiro mais destacado por suas qualidades técnicas não é, necessariamente, a pessoa mais adequada para dirigir um distrito rodoviário. Ser um bom técnico em sua área de formação não qualifica ninguém a ser um bom gestor.
RBA – ENTÃO A CRISE QUE VIVEMOS NO SETOR PODE SER RESOLVIDA? Wagner Siqueira – Os problemas que cada secretaria estadual ou municipal de saúde visa a solucionar não são casos inéditos, exclusivos ou sui generis. Eles guardam similitudes, inter-relações e pontos comuns. É preciso capacitar os gestores e o processo decisório da administração pública deve ser sensivelmente renovado. Há que se pensar em mudanças de escala e métodos para que a área de saúde do governo alcance, de pronto, os elementos que hoje operam a máquina administrativa, qualificando-os para atuar como gerentes públicos eficazes, utilizando todo o arsenal moderno de técnicas de gestão, destacando-se o uso intensivo e adequado dos sistemas de informação. Acredito que este é o caminho para a renovação e modernização da área de saúde no Brasil.