A Gestão de Saúde atravessa um momento crítico em sua história, tanto na esfera privada quanto na pública, e que atinge a todos, passando pelos médicos, governo, indústria farmacêutica, operadoras de planos de saúde e instituições prestadoras de serviços. Se tudo isso não bastasse, temos ainda problemas estruturais do sistema de saúde, como os recursos disponíveis à saúde suplementar e ao SUS (Sistema Único de Saúde): mais de R$ 137 bilhões para cuidar de 50 milhões de beneficiários dos planos de saúde, contra cerca de R$ 240 bilhões destinados aos 150 milhões dos que dependem exclusivamente do SUS.
Diante das insatisfações experimentadas pelos usuários e da complexidade de administração inerente ao próprio setor da saúde, nos últimos anos surgiram diversos modelos administrativos e práticas de governança com o intuito de equilibrar a equação custo e qualidade. Entre as alternativas, a necessidade de mudança de uma abordagem passiva e meramente de apuração de custos, para um comportamento que exige ações proativas e que gerem reduções relevantes de custos.
Para tal, a iniciativa de redução de custos deve ser abordada sob a ótica do posicionamento estratégico, isto é, algumas iniciativas podem reforçá-lo, outras podem não ter impacto, outras até enfraquecê-lo. Se a empresa prioriza a satisfação do cliente, demitir colaboradores da recepção de internação, por exemplo, pode ocasionar aumento de filas e insatisfação do cliente, portanto é uma medida que enfraquece o posicionamento estratégico. Por outro lado, uma simples eliminação dos copinhos de café provavelmente não surtirá efeitos relevantes na proposta de diminuição de custos.
O estudo publicado pelo Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil em 2017, pelo IESS e UFMG, relata que 7,2% do total de internações sofreram ao menos um evento adverso. Se considerarmos o número de 19.128.382 internações no Brasil em 2016, 7,2% de 19.128.382, ou seja, 1.377.243 internações sofreram algum dano. Nesse mesmo estudo a permanência média sem evento adverso foi de 2,8 dias, ao passo que a média de permanência com evento adverso foi de 8,7 dias, isto é, diferença de 5,9 dias entre a permanência média do paciente com evento adverso e o paciente sem evento adverso. Segundo dados da Planisa em 2017, consultoria especializada em custos hospitalares, o custo de uma diária média hospitalar não crítica em 67 hospitais de São Paulo foi de R$ 756,00, incluindo material e medicamento de uso no paciente e exames. Portanto, 5,9 x R$756,00, sendo de R$4.460 o custo médio adicional de uma internação com pacientes vítimas de evento adverso. Estima-se ainda que 69% dos custos seriam preveníveis; conclusão: R$ 4,2 bilhões (R$ 4.460,00 x 1.377.243). Ainda nesse estudo, destaca-se que as condições adquiridas intra -hospitalares seriam a segunda causa de morte mais comum no Brasil.
Diante das dificuldades de investimentos, não é difícil encontrar equipamentos obsoletos com altos custos de manutenção e baixa produtividade. No setor hospitalar, em função do impacto do alto custo fixo, produzir é necessário e obrigatório. Em uma U.T.I. Neonatal, na base de dados da Planisa, o custo de uma diária, em um mesmo hospital, pode variar de R$ 1.709,00, com taxa de ocupação real de 53% ou 256 pacientes dias/mês, a até R$ 1.128, com taxa de ocupação de 80% ou 392 pacientes dias/mês. Portanto, diferença de R$ 581,00 e 136 pacientes dias, isto é, R$ 79.016,00 (R$ 581 x 136) desperdiçados mensalmente por ociosidade. Se pensarmos que no Brasil a maioria dos hospitais é de pequeno porte e com ocupação inferior a 40%, qual é a magnitude desse desperdício?
A formação profissional também não colabora para diminuir o desperdício, como disse Drauzio Varella em publicação na Folha de S. Paulo: “Como se vivêssemos em outro planeta, o preço dos tratamentos é ignorado nas faculdades de medicina”. Complemento o artigo de Varella com a publicação do famoso neurocirurgião britânico Henry Marsch: “É preciso três meses para aprender a fazer uma cirurgia, três anos para saber quando é preciso fazê-la e 30 anos para saber quando não se deve fazer uma operação”; assim a má formação dos profissionais de saúde é um ingrediente relevante na análise das causas dos desperdícios hospitalares.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a diarreia é a segunda causa de morte entre crianças de até cinco anos no Mundo; por outro lado, em publicação da Folha de S. Paulo paciente de noventa anos, em estado vegetativo, que está internado há 570 dias, com custo de R$ 5 milhões. Atrelado a isso, a judicialização da saúde em São Paulo chegou a R$ 1,2 bilhão em 2016, segundo o Secretário de Saúde de São Paulo. No cenário de saúde cada vez mais escasso de recursos, o debate da assistência médica parte da contradição: Todos têm direito a viver, mas não há e não haverá dinheiro para todos. Quantas crianças morrem no país sem UTI Neonatal? E recém-nascidos, que teriam 70 a 80 anos de expectativa de vida? Assim, as políticas de saúde pública devem ser baseadas no menor custo e na melhor efetividade.
Menor custo e melhor efetividade
Suas tabelas de faturamento estão atualizadas? Você fatura tudo o que produz? Compartilho com vocês uma experiência realizada na Planisa com o eletrodo descartável em um hospital. Em nove meses foram faturados 7.508 itens, que geraram R$ 9.396,00; no mesmo período, foram consumidos 108.818, responsáveis por R$ 43.530,00; portanto, prejuízo acumulado de R$ 34.133,00.
O excesso de estoque, baixo giro, perdas constantes, ausência de padronização de estoques, baixo controle de OPME (Órteses, próteses e materiais especiais) e até a escolha dos produtos do estoque podem contribuir para a geração de melhores resultados. Se o hospital optar pelo medicamento genérico dipirona em vez do produto de marca específica do mercado, por exemplo, pode gerar melhores resultados se o hospital for remunerado por pacotes; mas se o hospital faturar no modelo fee for service conta aberta, a escolha pela dipirona pode gerar melhores resultados, uma vez que a margem praticada normalmente é mais vantajosa. A ausência de controles de Repasse Médico, de Instrumental Cirúrgico e dos Contratos é mais um exemplo de desperdício relacionado à ausência ou dificuldade no alinhamento de processos.
Vamos exemplificar: digamos que eu precise de uma substituição de curativo; quantas ataduras você usará para mim e quantas você usará para o paciente da cama ao lado e para a senhora do quarto ao lado? É a padronização como fator primordial para diminuição de desperdícios, uma vez que define padrões de tempo e consumo. Dessa forma, devemos com frequência nos perguntar: quais atividades
geralmente aceitas pelo setor devemos eliminar? Quais atividades devemos reduzir no setor? Quais atividades devemos levantar bem acima do padrão e quais atividades que o setor nunca ofereceu devemos criar?
Há dificuldades com o ERP (Enterprise Resource Planning), que na prática deveria ser chamado de Excell Resource Plannning. As dificuldades de utilização do ERP em sua plenitude junto aos hospitais são sem dúvida componentes importantes no aumento de desperdício, uma vez que os colaboradores utilizam planilhas eletrônicas paralelas ao sistema ERP, gerando retrabalhos e perda de visão sistêmica.
De um modo geral ainda alguns profissionais se preocupam mais com seu papel, sem atentar às consequências nas outras áreas. Se não há um alinhamento, o remédio que tem que ser entregue em, no máximo, 30 minutos para um paciente da urgência pode não chegar a tempo. Outro exemplo é a utilização da ficha de anestesia manual utilizada pelos anestesistas, apesar dos avanços da tecnologia, que faz com que o médico perca tempo no preenchimento manual das fichas, enquanto deveria estar focado na assistência ao paciente. Segundo o anestesista Diógenes da Silva, CEO da Anestech Innovation Rising: “30% dos anestesiologistas já trocaram medicações, no Brasil 91% dos
276 entrevistados”.
O modelo de remuneração fee for service conta aberta incentiva o desperdício, pois, de modo geral, quanto mais se produz e consome, mais se fatura – além de incentivar a produção desnecessária de exames, consultas e permanência do paciente. Na gestão de custos assistencial: posso ter um custo maior, porque o custo unitário – diárias, exames – é caro ou porque faço muito (frequência alta). Em estudo realizado na Universidade de Utah nos EUA, publicado pela The New York Times em 2015, relata que os pacientes fizeram tantos exames de sangue que alguns tornaram-se anêmicos. Os médicos de Utah começaram a exigir justificativas dos residentes para cada teste de laboratório, e o hospital economizou US$ 200 mil por ano. O artigo ainda destaca o tempo de permanência como principal contribuinte para os custos da assistência. Neste caso, o uso do DRG (Diagnosis Related Group) pode contribuir substancialmente para a diminuição dos custos assistenciais, uma vez que sua utilização em países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), aumentou em 24% a produtividade do leito hospitalar.
Em minha opinião, a ausência da disciplina de execução na área da saúde, somada às reinternações, às complicações, à permanência desnecessária do paciente, à quantidade exagerada e desnecessária de exames, materiais, medicamentos, modelo de remuneração e individualismo do médico, tudo contribui significativamente para o desperdício do sistema de saúde como um todo. Enfim, cabe aos agentes do sistema de saúde não mais perguntar: quanto custa, mas sim quanto deveria custar?