O que a palavra SUS representa para você? É muito comum relacionar o Sistema Único de Saúde a filas ou a falta de medicamentos e de médicos. Mas o que muitos não sabem é que, apesar de ter problemas (que não são poucos), há programas da saúde pública brasileira considerados referência internacional.
Conheça seis deles que, segundos os especialistas consultados pelo UOL, são vistos com bons olhos tanto pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde), além de serem apontados recorrentemente como exemplos em congressos internacionais.
1. Saúde da Família
Com foco na atenção básica, o programa brasileiro foi eleito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) um dos 10 melhores do mundo ao lado de iniciativas norte-americanas, inglesas, nórdicas e japonesas. “É o nosso grande astro”, afirma Marco Akerman, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública USP (Universidade de São Paulo).
Segundo o pesquisador da USP, o Saúde da Família se destaca tanto pelo tamanho de sua cobertura, bem como pela sua eficiência no controle da mortalidade infantil e da hospitalização por doenças crônicas (hipertensão e diabetes).
Implementado em 1994, o programa atende 123 milhões de pessoas em quase todos os municípios, segundo o Ministério da Saúde. Ao contrário do modelo de atendimento emergencial ao doente, a estratégia valoriza as ações de acompanhamento da saúde.
Ligada a uma Unidade Básica de Saúde, a equipe multifuncional (que inclui médico, enfermeira, auxiliares e, em alguns casos, dentista e nutricionista) é responsável por conhecer a realidade das famílias locais, identificar os problemas de saúde mais comuns e acompanhar o tratamento.
“Ações com impactos diretos e expressivos no controle da mortalidade infantil”, enfatiza Akerman. Em 1990, segundo a ONU (Organização das Nações Unidos), o país registrava 60,8 mortes a cada mil nascidos vivos, contra 16,4 mortes a cada mil nascidos vivos, em 2015. O número representa uma queda de 73%. Diversos estudos também associam o Saúde da Família à redução das taxas à queda das internações por condições sensíveis à atenção primária, tais como a diabetes e hipertensão.
O programa, no entanto, não está livre de problemas. Além de não atender a toda a população, o professor da USP aponta que a reformulação da PNAB (Política Nacional de Atenção Básica) ameaçou a estratégia por flexibilização a adesão das cidades. “O que deixou o ESF à mercê da vontade política dos municípios.”
Em São Paulo, o Saúde da Família só alcança 35% da população. No Rio, a estratégia que tinha boa cobertura sofre agora com a falta de médicos.
2. Programa de Vacinação
Desde 1973, o Programa Nacional de Imunização garante o acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS. “Foi o que garantiu a erradicação de doenças como varíola e poliomielite (paralisia infantil), bem como o controle de doenças como sarampo e, mais recentemente, febre amarela”, aponta Eugênio Vilaça Mendes, consultor em saúde pública, que já atuou na área de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde. Segundo ele, nesse contexto, o Brasil é recorrentemente usado como exemplo em congressos internacionais.
Segundo o Ministério da Saúde, o último caso de varíola notificado no Brasil foi em 1971. Já a poliomielite foi extinta no país em 1989, ano em que o último caso da doença foi registrado.
O calendário inclui as vacinas infantis, que vão de BCG (contra tuberculose) até rotavírus (contra diarreia grave), além das campanhas voltadas aos adolescentes [vacina contra HPV] e aos idosos [vacina contra gripe]. “Ainda que não inclua todas as vacinas disponíveis no sistema privado, essa disparidade não representa um risco à saúde da população”, garante Akerman.
3. Controle de HIV/Aids
Para conter a epidemia de Aids, o Brasil, diferentemente de muitos países, preferiu atuar na prevenção e também custear todo o tratamento. Desde 1996, o país garante acesso universal e gratuito aos antirretrovirais, que aumentou significativamente a sobrevida dos pacientes. Nos últimos 21 anos, a mortalidade de pessoas com HIV/Aids no país caiu 46%. Segundo o Ministério da Saúde, a taxa caiu de 9,7 óbitos por 100 mil habitantes, em 1995, para 5,2 óbitos por 100 mil habitantes em 2016.
“O país conseguiu combinar a abordagem preventiva e curativa para controlar a epidemia que seguia um padrão de crescimento similar ao da África”, afirma Gastão Wagner de Sousa Campos, presidente Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), que aponta que cerca de 90% dos brasileiros que convivem com a infecção se tratam gratuitamente pelo SUS.
E o Brasil se destaca não só pelo tratamento, mas também pela agilidade no diagnóstico. Em 2014, o paciente iniciava o tratamento com, em média, 101 dias após o diagnóstico. Hoje são, no máximo, 41 dias, de acordo com dados do Ministério da Saúde. O problema, como aponta Akerman, está na distribuição desses remédios nas zonas rurais ou mais afastadas dos grandes centros. “Mas, de uma maneira geral, a distribuição é razoável.”
4. Transplantes
O Brasil é o país com o maior sistema público de transplantes do mundo, segundo o consultor em saúde pública Eugênio Vilaça Mendes. De acordo com ele, cerca de 90% das cirurgias são feitas com recursos públicos.
Em 2017, o SUS realizou 26.329 transplantes a um custo de R$ 1 bilhão, como aponta o Ministério da Saúde. O índice é 5,5% maior do que no ano anterior, quando foram registrados 24.958 transplantes.
“O SUS oferece assistência integral ao paciente transplantado, desde os exames preparatório até os medicamentos pós-transplantes que acompanham o paciente pela vida toda”, acrescenta o consultor, que também ressalta o fato de o Brasil adotar a lista de espera única, ordenada por critérios de urgência. “Não havendo diferenças entre ricos e pobres, negros ou brancos.
“A lista de espera, em 2017, era composta por 32.402 adultos e 1.039 crianças. O rim é o órgão mais disputado (21.059 adultos e 418 crianças), seguido da córnea (9.266 adultos e 367 crianças), do fígado (1.101 adultos e 191 crianças) e do coração (255 adultos e 41 crianças). Nos 30.764 pacientes que ingressaram na lista de espera no ano passado, 1.895 morreram antes de receberem o novo órgão.
5. Tratamento contra Hepatite C
Ainda que caro, o Brasil oferece atualmente um dos melhores tratamentos do mundo para os seis genótipos da hepatite C e, desde julho de 2017, os medicamentos sofosbuvir, daclatasvir ou simeprevir, com eficiência de cura de cerca de 90%, estarão disponíveis nas unidades básicas de saúde. O uso dos remédios por cerca de três meses pode custar até R$ 184 mil por paciente.
Com a meta de eliminar a doença até 2030, o Ministério da Saúde ampliou em março deste ano o tratamento gratuito a todos os pacientes, independentemente do dano no fígado. Até então, o atendimento era destinado prioritariamente àquelas pessoas com um nível de comprometimento no fígado F3 e F4 –em uma escala que varia de F0 a F4.
“O Brasil é um dos únicos países a garantir à população o acesso a medicamentos de alto custo como esses”, ressalta Mendes, que destaca que com os valores desses remédios “até o rico vira pobre”. “Uma política de equidade e de grande êxito, já que estudos mostram que a maior causa da falência das famílias americanas, por exemplo, é a doença.”
A distribuição de medicamentos pelo SUS, incluindo os mais baratos, foi o segundo serviço mais bem avaliado pelos brasileiros em consulta do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre a qualidade da saúde pública em 2013 (ano mais recente da pesquisa). Na ocasião, 69,6% dos entrevistados classificaram a entrega de remédios como “boa” ou “muito boa”.
6. Controle do tabagismo
“O Brasil desenvolveu o melhor programa de tabagismo do mundo”, salienta o consultor Eugênio Vilaça Mendes, que diz que os nossos avanços no tema são bem mais expressivos do que o de países ricos.
Redução atribuída por Mendes a uma política de controle concentrada em três principais pontos: a proibição das propagandas de tabaco, às restrições de uso em certos ambientes e ao tratamento gratuito para quem deseja para de fumar.
Em 2016, segundo o Ministério da Saúde, 10,1% dos brasileiros acima de 18 anos ainda mantinham o hábito de fumar –o índice era maior entre os homens (13,2%) do que entre as mulheres (7,5%). A frequência de fumantes era menor entre os adultos com 65 anos e mais (7,3%). Já as faixas etárias de 18 a 24 anos (8,5%) e 35 a 44 anos (11,7%) apresentaram um pequeno aumento em relação ao ano anterior, quando foram registrados 7,4% e 10%, respectivamente.
Os números representam uma queda de 36% no percentual de fumantes no período de 2006 a 2017. Redução que foi destaca inclusive por um estudo financiado pela Bill & Melinda Gates Foundation e pela Bloomberg Philanthropies, que apontou o Brasil como “uma história de sucesso digna de nota.”
Larissa Leiros Baroni
Imagens por ordem de apresentação no artigo:
Pablo Jacob/Agência O Globo – Getty Images – Thinkstock – iStock – iStock – Getty Images
UOL Notícias Ciência e Saúde